Zélia Gattai nasceu em São Paulo, mas seu destino era ser baiana. Foi isto que ficou claro ontem, durante o discurso dela em agradecimento pela outorga da nova cidadania. A escritora contou que era a única entre os cinco irmãos que não havia nascido em uma data festiva. Pelo menos era o que ela pensava. "Somente mais tarde, já adulta, descobri que essa falha acontecera comigo apenas por um simples motivo, pequeno detalhe: não nascera na Bahia", disse ela ao conferir que o dia em que veio ao mundo, 2 de julho, era a data maior do estado.
Nascida em São Paulo, caçula de uma família de imigrantes italianos, Zélia contou que, na infância, não tinha a menor idéia de como era a Bahia. Nesse aspecto, ela revelou mais um encontro do destino a dizer que começou "a tomar conhecimento desse mundo novo para mim, mundo mágico, aos 16 anos, por aí, ao ler um romance de Jorge Amado, jovem escritor baiano que estreava na literatura".
Apresentada não só à terra que viria a adotar como sua como também ao futuro marido, por meio da literatura, Zelia se revelou encantada com a "terra de magias, narradas com o estilo apaixonante do escritor". Por conta disso, conta ela, teve "grande vontade de conhecer Jorge Amado pessoalmente". Porém, isto só veio ocorrer em 1945, quando ela tinha 33 anos. "Ele já havia escrito dez romances e eu já os havia lido todos", lembrou, ressaltando que "não somente os havia lido como acompanhara a distância seus passos".
No encontro, em São Paulo, veio o amor à primeira vista. Ele tinha ido para participar de manifestações contra o eixo nazifacista e lutar pela liberação dos presos políticos da ditadura Vargas. Mas "ao bater os olhos em Zélia, arreei bandeira e pedi paz", disse ela, citando Jorge Amado. E completou: "Nunca mais nos separamos. Durante 56 anos, Jorge Amado foi meu marido, meu companheiro, meu mestre e meu amor."
Foi Jorge que lhe informou da importância do 2 de Julho e foi nas véspera da data que ele a trouxe pela primeira vez. "De manhazinha, já no dia 2, fomos despertados por estrondos de 540 tiros, fogos anunciando o início das festividades. Rojões e bombas espocando no céu, parecia o fim do mundo", descreveu, lembrando que, diante do seu espanto, o marido disse, rindo: "Está vendo o que encomendei para te despertar e saudar no teu aniversário?"
Zélia lembra que naquele dia participou ativa e entusiasticamente das festividades. Ela voltou 18 anos depois, desta vez para morar em definitivo. "Nosso amor pela Bahia, de meus filhos e meu, nos foi dado por Jorge, sempre preocupado em nos mostrar e explicar tudo, pela amizade dos amigos que conquistamos, pelo carinho e pela delicadeza do povo, pelas histórias que nos foram contadas", destaca.
A escritora também atribuiu ao marido sua atividade literária. "Publiquei meu primeiro livro aos 63 anos, a conselho dele". Depois de Anarquistas, graças a Deus, ela conta que tomou gosto e, "dona de uma vida de grandes histórias e aventuras, de viagens por esse mundo afora, de ter conquistado amigos, os melhores e os mais célebres de nossa era, de ter hospedado, em nossa casa do Rio Vermelho, personalidades do mundo inteiro, dei-me conta de que material para novos livros não me faltariam".
O título de cidadã de Salvador veio em 1984, por iniciativa da então vereadora Amabília Almeida. Zélia contou que a iniciativa a surpreendeu e a emocionou. "Agora, neste ano de 2005, já não tendo Jorge a meu lado para compartilhar de tudo que me toca, participar com seu amor das surpresas e das satisfações que me acontecem, recebo a notícia de que o deputado Clóvis Ferraz, presidente da Assembléia Legislativa, me honra com a concessão do título de cidadã baiana." A esse respeito, ela contou que, "cheia de emoção", combinou com Clóvis a data de ontem para coincidir com o aniversário de Jorge.
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