O senador baiano Otto Alencar (PSD) iniciou citando uma das obras-primas da poesia brasileira, “E agora, José”, do poeta mineiro Carlos Drumond de Andrade, para bater forte numa omissão histórica de sucessivos ocupantes da Presidência da República do Brasil. “Proponho que nenhum senador do Nordeste vote mais qualquer proposição até que o governo federal abrace o projeto de revitalização do Rio São Francisco”.
A proposta do pessedista foi feita na tarde desta segunda-feira (15), durante a Audiência Pública a Revitalização do Rio São Francisco, ocorrida na sala das comissões da ALBA - Assembleia Legislativa da Bahia. A iniciativa foi de três comissões da Casa: Meio Ambiente, Seca e Recursos Hídricos; Agricultura e Política Rural; e Infraestrutura, Desenvolvimento Econômico e Turismo, tendo como proponente o deputado Zó (PCdoB).
Revelando bastante conhecimento técnico acerca da crise hídrica brasileira, notadamente com o colapso das águas do Rio São Francisco, Otto Alencar foi duro com o projeto de transposição das águas do chamado Rio da Integração Nacional.
“Esse governo é uma lástima com o São Francisco, como foram os governos Sarney, Collor, Itamar, Fernando Henrique, Lula e Dilma. Fazer a transposição sem a revitalização do São Francisco é o mesmo que tirar sangue de um paciente anêmico, quase morto”, disparou o senador, que colocou R$ 600 milhões em emendas para a recuperação do Velho Chico. Para ele, é louvável a iniciativa da ALBA em levantar a questão do São Francisco.
Presidente da Alba, deputado Angelo Coronel (PSD) chamou o senador de estudioso da causa e exortou a todos os deputados baianos, parlamentares nordestinos e a imprensa em geral a abraçarem a luta de Otto Alencar, independentemente de partido político. “Esta não é uma causa da Bahia, mas de todo o Nordeste brasileiro”, disse o chefe do Legislativo estadual, que elogiou a iniciativa das três comissões realizadoras do evento.
MAIOR DEPREDADOR
Os conhecimentos sobre a real situação do rio e as críticas ao governo Temer pela omissão no cuidado foram tão caudalosos quanto o senador deseja ver as águas do Velho Chico. Ele observou que as calhas do rio recebem cerca de 28 milhões de toneladas/ano de terra pelo seu assoreamento e o desmatamento às suas margens. “Desmatar as margens de uma nascente é um crime contra a humanidade”, compreende o senador, que acusa o estado de Minas Gerais de maior depredador do rio.
Citou nascentes e rios na Bahia que sucumbiram ao descaso com suas águas, como o Santanópolis, Paramirim, Paulista, Verde e o Jacaré; e disse que apenas os rios Carinhanha, Corrente e Rio Grande ainda resistem. “Esse problema do São Francisco é uma questão de segurança nacional. Se for botar cruz nas nascentes que já morreram, vai faltar madeira por culpa de vários governos”, salientou.
Otto Alencar estima um quadro bastante preocupante no futuro caso o Velho Chico não passe pela revitalização logo. A produção de água no país caiu em torno de 30% em 50 anos, período em que a população quase dobrou. “A crise da água é mais grave que a do petróleo. O São Francisco é o único rio que corre em direção ao Nordeste. A água será a commoditie mais cara do mundo. Poderá haver guerra por água”, vislumbra o político.
Filho de Rui Barbosa, o senador destacou que o projeto de revitalização do São Francisco custa R$ 800 milhões/ano, a ser finalizado num período 10 anos. Entende que a transposição deveria passar pelas assembleias legislativas dos estados, prerrogativa retirada pela Constituição de 1988, que deu autonomia excessiva ao governo federal. Ao lembrar que não há mais navegação no rio e o mar já invadiu cerca de 15 quilômetros, Otto destacou: o São Francisco é como todo ente generoso, deu tudo de si e não recebeu nada em troca.
BRASÍLIA NABABESCA
O pessedista condenou o padrão de vida nababesca de Brasília e se disse ainda mais preocupado com o Velho Chico agora que começou a faltar água na capital do Distrito Federal. “Esse governo gastou cerca de R$ 1 bilhão em propaganda em 2016 e apenas R$ 30 milhões na recuperação do rio”, ressalvou Otto, lembrando a participação nessa luta dos senadores Lídice da Matta (PSB) e Roberto Muniz (PP).
Presidente da Comissão de Meio Ambiente, deputado Fábio Souto (DEM) citou o caráter suprapartidário da luta da ALBA em defesa do rio, e destacou que 40% de seus afluentes estão mortos ou em via disso.
Presidente da Comissão de Agricultura da Casa, deputado Eduardo Sales (PP) elogiou a “aula” do senador e ressalvou ter uma preocupação com as questões do Velho Chico que envolve aspectos sociais e ambientais, lembrando que Juazeiro foi o município que mais gerou emprego ano passado através da agricultura irrigada.
Já o presidente da Comissão de Infraestrutura da ALBA, deputado Hildécio Meireles (PMDB) também revelou preocupações com o descaso com o Rio da Integração Nacional, questionando se era possível uma transposição das águas amazônicas para o Nordeste, tendo como resposta a lembrança das dificuldades que vivem também os rios da região Norte do país.
A professora Ivonildes Medeiros, do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, apresentou um detalhado estudo do órgão sobre o rio, e apontou práticas da população que corroboram no descaso com o rio. Mais de 20 deputados participaram da audiência pública, além do secretário de Infraestrutura Hídrica do Estado, Cássio Peixoto, deputados federais e outras autoridades.
O Rio São Francisco é um dos mais importantes cursos d'água do Brasil e da América do Sul. Nasce na Serra da Canastra, em Minas Gerais, e tem 2.830 mil quilômetros de extensão, cortando os estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe.
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