HISTÓRIA DO DOIS DE JULHO

Biografia do Dep. Antonio Pereira Rebouças
Dep. Antonio Pereira Rebouças
DADOS PESSOAIS

Nome: Antonio Pereira Rebouças

Local de Nascimento: Maragogipe, Bahia

Data de Nascimento: 10 de agosto de 1798

Data de Falecimento: 18 de fevereiro de 1880

Nome dos genitores: Rita Brasília dos Santos e Gaspar Pereira Rebouças

Apresentação do biografado

Filho de mãe liberta, Rita Brasília dos Santos, e de Gaspar Pereira Rebouças, português, Antônio Pereira Rebouças nasceu no mesmo ano da Conjuração Baiana de 1798, um dos momentos na História da Bahia em que se negociou os sentidos da palavra liberdade. Pertencia a uma família de algumas posses, mas sua experiência de vida guarda episódios e adversidades compartilhados com a massa de trabalhadores mais humildes, quer livres, quer escravizados, inclusive por ter sido um homem mulato, como ele próprio dizia, que pôde participar da elite política no Brasil do século XIX, apesar de enfrentar oposições variadas.1

Autodidata, morou em Maragogipe até os dezesseis anos, quando se transferiu para a cidade de Salvador para prosseguir seus estudos. Diferente de outros políticos desta geração, Rebouças não estudou na Universidade de Coimbra, nem em outros centros de saber. Em lugar disso, aprendeu jurisprudência no cartório de Francisco Alves de Albergaria. De João Carneiro da Silva Rego receberia, mais tarde, provisão do Tribunal do Desembargo do Paço para advogar na Relação da Bahia – foi um rábula, portanto.2

Rebouças viveu numa sociedade ainda marcada por critérios de distinção como nascimento, linhagem, ou a arcaica separação entre cristão velhos e cristão novos, se bem que fragilizados pelo contexto das independências, como a americana (1776) e a haitiana (1791), e de revoluções, como a francesa (1789). Neste sentido, muitos foram os indivíduos que buscaram formas renovadas de inserção jurídica e social, conforme as separações entre as diferentes camadas se faziam mais imprecisas.

Em 1821, Antônio Pereira Rebouças era parte de um grupo contrário a tentativas de submissão do Brasil, defendidas por integrantes das Cortes constituintes lusitanas, reunidas desde o ano anterior. O grupo tinha objetivos variados, mas um traço comum era a defesa de um Estado Constitucional, e certo grau de adesão a um governo brasileiro encabeçado pelo Príncipe Regente D. Pedro. Além disso, era unânime a manutenção dos laços de exploração e de sujeição do sistema escravocrata, salvaguardado pela Constituição Imperial.3

Em fevereiro de 1822, Rebouças foi um dos signatários da representação contra a posse do brigadeiro Madeira de Melo, dirigida ao Senado da Câmara Municipal de Salvador.4 Depois dos conflitos dos dias 19 e 20 de fevereiro de 1822, teria auxiliado na fuga de pessoas que haviam tomado parte nos combates, antes de se transferir para a Vila de Cachoeira, a maior do Recôncavo, e de onde deveria prosseguir com as atividades políticas.5 De fato, Rebouças ditou os termos da famosa Ata de Aclamação de 25 de junho de 1822, na qual se proclamava D. Pedro como Regente Único e Perpétuo Defensor do Brasil – mesmo dia do ataque de uma canhoeira contra a Vila. Mais: foi eleito secretário da Junta Interina, Conciliatória e de Defesa da Vila de Cachoeira.6

Teve menos sucesso nas semanas que se seguiram. A proposta da organização de um governo unindo as vilas do Recôncavo prosperou, mas Francisco Brandão Montezuma terminou indicado em seu lugar para representante dos cachoeiranos junto ao Conselho Interino de Governo – e as divergências terminaram por levá-lo ao Rio de Janeiro em fins de 1822.7

A política marcou as décadas seguintes da vida de Antônio Pereira Rebouças, quer na Bahia, quer em outras províncias. Valendo-se do papel que desempenhou na independência, Rebouças buscou maior projeção social, chegando a receber comendas e a ser nomeado Secretário de Governo em Sergipe, no ano de 1824. No entanto, foi exonerado do cargo no ano seguinte, pela rejeição junto a setores da elite provincial sergipana, tanto pela repressão enérgica de um levante deste grupo político, como por ser um descendente de africanos à frente dos negócios de governo.8

Rebouças foi eleito representante da Bahia na Assembleia Geral Legislativa do Império nas décadas de 1830 e 1840. Sua atuação foi caracterizada por uma defesa radical da Constituição Imperial de 1824, principalmente à medida que prosperavam limitações para o acesso a direitos civis e o exercício de direitos políticos. A restrição do alistamento na Guarda Nacional, excluindo assim o acesso de libertos, foi um dos muitos temas contra os quais se posicionou de forma contrária como parlamentar, insatisfeito com o que via como o estabelecimento, na prática, de cidadãos de primeira e segunda classe, tendo por base a cor da pele.9

A despeito de seus discursos e ações parlamentares contra a discriminação baseada na cor, Rebouças não aderiu a revoltas como a Sabinada, chefiada pelo intelectual negro Sabino Vieira em 1837. A razão disso está na leitura, profundamente fundada em um liberalismo que associava cidadania ao direito de propriedade. Para Antonio Rebouças, a superação de dilemas viria pela possibilidade de extensão dos direitos de propriedade para todos e por uma luta radical na tribuna parlamentar, não por revoltas ou pelo fortalecimento do componente racial, como pensava Sabino.10

Em 1835, os Conselhos Gerais de Província criados pela Carta Magna de 1824 foram extintos, e, em seu lugar, nasceram as Assembleia Legislativas Provinciais, dotadas de competências muito mais amplas. Antônio Pereira Rebouças foi suplente de Deputado na primeira legislatura, entre os anos de 1835 e 1837, assumindo o mandato por diversos períodos. Novamente, o seu papel no debate parlamentar foi pautado pela defesa firme de liberdades e prerrogativas constitucionais num momento de repressão causada por sedições, mas sem aderir a revoltas.11

Não se pode dizer que Rebouças tenha sido um abolicionista, como foram seus filhos André e Antônio Filho. Tomava por base autores liberais, defendendo, portanto, a associação entre cidadania e propriedade. A trajetória de Rebouças deu-se no fio da navalha entre a inserção individual nos termos limitados dados pela sociedade escravocrata, de um lado, e a luta contra a imposição de maiores restrições, do outro. A superação da escravidão como um sistema se daria articulada à extinção do tráfico e à garantia de compra da liberdade pelos escravizados, caso em que teriam acesso aos mesmos direitos civis e políticos de outros cidadãos – concepção sabotada por legislações que reduziam acesso a direitos, inclusive o de propriedade, como a Lei Provincial n° 9, de 1835, e a Lei de Terras de 1850 (Lei 601/1850).12

A trajetória de Rebouças também permite pensar nas expectativas de diferentes grupos sociais com a independência. Fruto de um contexto e de um extrato social de descendentes de africanos livres, ele via possibilidades de inserção formal no novo regime pelo qual havia combatido. Rebouças colocou-se contra um processo contínuo de limitação de direitos, baseado em uma leitura cada vez mais excludente do liberalismo. Dentre todos os parlamentares provinciais da primeira legislatura envolvidos no 02 de julho, talvez Rebouças ofereça a melhor brecha para pensar os diferentes sentidos de termos como ‘cidadania’, ‘liberdade’ e ‘direitos civis’, no momento em que estes estavam sendo negociados.




NOTAS DO TEXTO

1GRIMBERG, Keila. O fiador dos brasileiros: cidadania, escravidão e

direito civil no tempo de Antonio Pereira Rebouças. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 2002. p. 33-34 e 48-49.

2GRIMBERG, O fiador dos brasileiros, 2002, p. 70.

3GRIMBERG, O fiador dos brasileiros, p. 71-72.

4TAVARES, Luíz Henrique Dias. Independência do Brasil na Bahia. 2. ed.

Salvador: EDUFBA, 2005.

5REBOUÇAS, Antonio Pereira. Recordações Patrióticas (1821-1831).

Rio de Janeiro: Typ. de Leuzinger & Filhos, 1879. p. 12-16 e 30-44.

6REBOUÇAS, Recordações Patrióticas (1821-1831), p. 49-53.

7GRIMBERG, O fiador dos brasileiros, 2002, passim; REBOUÇAS, Recordações Patrióticas (1821-1831), p. 95-98.

8GRIMBERG, O fiador dos brasileiros, 2002, p. 79.

9GRIMBERG, O fiador dos brasileiros, 2002, p. 101-105 e 114.

10GRIMBERG, O fiador dos brasileiros, 2002, passim.

11GRIMBERG, Keila. A Sabinada e a politização da cor na década de 1830. In: SALLES,

Ricardo; GRINBERG, Keila. O Brasil Imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. p. 287-289.

12CUNHA, Manuela Carneiro da. Negros estrangeiros. Rio de Janeiro:

Companhia das Letras, 2012. p. 102.

NOTA DA IMAGEM:

O SR ANTONIO PEREIRA REBOUÇAS. O Novo Mundo: Periodico Illustrado do Progresso da Idade,

New York, v. 5, n. 53, p. 1, 22 fev. 1875.

Matéria de capa.



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